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Fundamentos teóricos e metodológicos da pedagogia social na Europa (Itália)

Por Geraldo Caliman

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RESUMO
Notamos com satisfação a riqueza da ação sócio ­pedagógica vivida no momento atual pelo Brasil. Tal
diversidade de metodologias e de projetos ficou patente, por exemplo, por ocasião do Iº Encontro Nacional de Educação Social realizado no Anhembi, SP, em junho de 2001. Mas, sobretudo com a convocação do presente congresso em um ambiente tão significativo como a USP. Tal riqueza emerge com intensidade em todos os recantos do Brasil, mas não pode permanecer para sempre como uma riqueza: ela deve ser estudada, sistematizada, e difundida. Ela tem como fio condutor a Pedagogia Social, disciplina de crescente importância em tempos de aguçar­se das desigualdades sociais em contextos urbanos. A importância, hoje da pedagogia social está no fato de que ela se empenha diretamente no aprofundamento de perspectivas teóricas e de propostas metodológicas finalizadas ao bem­estar social, à analise e avaliação das situações e condições sociais que condicionam a educação e a delinear uma orientação em base à qual seja possível intervir em termos
formativos no âmbito da diversidade social, do desvio e da marginalidade, e da equidade dos recursos sociais.2

Palavras­chave: Educação; pedagogia social; educação não­formal;
1 Concepções da pedagogia social
 
Os precursores da pedagogia social têm suas origens na ação caritativa do cristianismo e em pedagogistas
como Pestalozzi e Froebel, antes ainda que se sistematizasse como disciplina. A ação socioeducativa supera o âmbito das instituições caritativas e passa a se desenvolver dentro das políticas assistenciais e sociais. O termo é de origem alemã e foi utilizado inicialmente por K. F. Magwer em 1844, na "Padagogische Revue", e mais adiante por A. Diesterweg (1850) e Natorp (1898), que a analiza como disciplina pedagógica. Foram as problemáticas sociais que emergiram da industrialização, a partir da metade do século XIX, especialmente na Alemanha, que motivaram tal sistematização da pedagogia social como ciencia e como disciplina.
Da literatura podemos individuar diversos endereços dentro dos quais a pedagogia social se desenvolve e articula.

1. Como reflexão da educação em geral, a pedagogia social tem dois objetivos: de elaborar o conceito de educação em chave social e de contribuir para a concordância e integração das finalidades expressas pelas várias instituições sociais. Depois o autor analiza: a) os fatores sociais da educação presentes nas instituições que demonstram intencionalidade declaradamente educativa; b) os fatores sociais da educação presentes nas instituições que, por si só, não têm intencionalidade educativa, mas podem estar carregadas de potencialidade educativa; c) as finalidades educativas nos seus significados e na sua magnitude social. 
 
2. Uma segunda aproximação a entende como doutrina da educação política e nacionalista do individuo: sujeito da educação se torna então o Estado, em relação ao qual os fins e objetivos dos indivíduos deveriam se conformar e sintonizar. A pedagogia social, assim entendida, torna­se pedagogia nacionalista, voltada para a formação cívica da juventude. Formação essa que, em geral, é norteada por ideologias políticas que se difundem dentro de regimes políticos preferencialmente totalitários.
 
3. Como educação na sociedade, através da sociedade e para a sociedade (P. Natorp). O homem se torna homem somente através da sociedade humana. As instituições sociais podem ser, em quanto construção do homem, oportunidade para o homem, a favor do homem. Cresceu muito nos nossos tempos, o compromisso com a formação e a cultura. O empenho se alastra por outros conceitos como de comunicação, de intercultura, de participação, de cooperação etc. Tal influxo educativo da sociedade ocorre, mais que nas relações individuais (com pais, mestres e grupos de pares), na cultura do grupo social de pertença, do ambiente social, dos meios de comunicação e na educação informal. Neste sentido, o meio mais válido para a socialização não é uma sociedade indistinta, mas os corpos intermediários, as comunidades ou as instituições que a compõem (por exemplo, a família, a igreja, o sindicato, as comunidades de recuperação). É uma pedagogia que educa, de preferência dentro de ambientes institucionais educativos, ao senso de pertença, à responsabilidade social, à cidadania, à solidariedade social etc.

4. Como pedagogia para os casos de necessidade, no sentido seja de ajuda que de prevenção. A pedagogia é uma ciência prática. O pedagogista é um homem imerso na realidade social: percebe a realidade com a sensibilidade educativa e, premido por ela, responde às demandas emergentes. São exemplos os educadores São João Bosco, Henrique Pestalozzi, Paulo Freire: homens de convicção. Em outras palavras, é a fase da pedagogia social na qual o pedagogo social concorre fortemente pela recuperação da dignidade humana. Essa aproximação acentua a intervenção preventiva e de recuperação nos casos em que vem a faltar uma adequada socialização. Tal intervenção foi inicialmente concebida como educação da infância e da juventude em situação de desvantagem social, para posteriormente se expandir para a educação de adultos, da terceira idade, das famílias em situação de risco. Trata-se, particularmente, da educação não ­formal, refere-se no mais das vezes aos serviços sociais e políticas públicas, desde que esses tenham uma função educativa e não somente assistencial

5. Como ajuda para a vida: em um ultimo estádio, a pedagogia social não responde somente a necessidades emergentes, mas as supera. A quarta fase responde à necessidade de solidariedade social que já está presente no Estado, mas também na sociedade civil: voluntariado, instituições de acolhida, prevenção, recuperação e reinserção social etc. É a pedagogia do compromisso. É o momento da responsabilidade social em resposta às necessidades sentidas não somente por parte dos socialmente excluídos, mas também de quem ajuda.

A Pedagogia Social foi por mim definida, no "Dizionario di Scienze dell’Educazione" como uma ciência prática, social e educativa, não formal, que justifica e compreende em termos mais amplos, a tarefa da socialização, e em modo particular a prevenção e a recuperação no âmbito das deficiências da socialização e da falta de satisfação das necessidades fundamentais.

De fato, ela é compreendida por outros estudiosos também como uma articulação e especialização do discurso pedagógico, como o são também a pedagogia comparada, a história da pedagogia, a pedagogia experimental e especial. A ótica da pedagogia social parece mesmo estar concentrada nos processos conexos com a socialização dos indivíduos, o crescimento da identidade, da personalidade humana nos vários contextos onde ela se insere e os condicionamentos que tais contextos impõem à formação de atitudes, valores, crenças etc. Neste sentido está ligada de modo particular às necessidades humanas de sujeitos sociais contextualizados.

Atualmente a pedagogia social parece orientar-se sempre mais para a realização prática da educabilidade humana voltada para pessoas que se encontram em condições sociais desfavoráveis. O trabalho do educador social emerge, pois, como uma necessidade da sociedade industrializada, enquanto nela se desenvolvem situações de risco e mal estar social que se manifestam nas formas da pobreza, da marginalidade, do consumo de drogas, de abandono e de indiferença social. A pedagogia social se realiza especialmente dentro de intervenções educativas intencionais e não formais, e é organizada fora das normais agencias educativas como aquela escolar e familiar, embora não exclui essas duas instituições de sua metodologia. Se diferencia da educação formal que se desenvolve diretamente na família e na escola, e daquela informal, caracterizada pela falta de intencionalidade educativa e que se desenvolve através da convivência familiar, do grupo de pares e
dos meios de comunicação.
2 Formação do Educador na área da Pedagogia Social (UPS)
 
Os profissionais da pedagogia social: onde deve atuar? Com qual destinatário? Ccom quais métodos? Ele seria um "educador social", um educador profissional, ou mesmo um pedagogista social? Qual é a diferença entre ele e o profissional ligado ao serviço social (social work)? Essas e outras perguntas mostram a importância da definição da identidade dos profissionais da pedagogia social. O programa de pedagogia social na "Università Pontifícia Salesiana di Roma" (UPS) tem como objetivo a formação de experts, pesquisadores, docentes e operadores com competência sociopedagógica no setor da educação, da prevenção e da reeducação de sujeitos em idade evolutiva, com problemas de marginalização, desadaptação social e comportamento desviante.6 Sua formação se dá dentro de uma Faculdade de "Ciências da Educação". Em outros casos, na Itália, tal formação se dá dentro de uma Faculdade de Ciências da Formação. Para formar tais profissionais a Faculdade de Educação da UPS (Itália) distribui assim a sua grade disciplinar: 31,2% de pedagógicas, 14,6% de Psicológicas, 14,6% de Humanísticas, 12,5% são disciplinas sociológicas, 12,5% são técnicas e de animação cultural, 4,2% jurídicas.A área mais extensa no currículo é a da ciência pedagógica (31,2% do conjunto de disciplinas oferecidas). A pedagogia geral e a pedagogia social estão na base e são aprofundadas nas dimensões da pedagogia familiar, pedagogia especial, educação de adultos. A formação se complementa também através de seminários e estágios ligados ao tema. Compõem a grade curricular, entre disciplinas obrigatórias e optativas: Pedagogia das Relações Humanas, Pedagogia da Reeducação de Menores, Pedagogia Intercultural, Pedagogia da Comunicação Social, Educação e Ciências da Religião, Processos Formativos e Formação de Adultos, Biologia da Educação, História da Educação e da Pedagogia, Prevenção e Tratamento da Toxicodependência, Sistema Preventivo na História. 
 
A segunda área mais extensa (14,6% das disciplinas) está ligada à psicologia. Além da psicologia geral, que fornece a base para a compreensão do dinamismo interno e relacional dos indivíduos, os profissionais da área socioeducativa se dedicam à aprendizagem de setores específicos como a Psicologia do Desenvolvimento, Psicologia Social, Psicologia da Comunidade, Psicologia do Trabalho, Psicologia da Religião, Psicologia, Psicopatologia do Desenvolvimento. Dividem o segundo lugar com área psicológica, as disciplinas humanísticas (14,6% das disciplinas) que têm seu espaço na formação dos operadores socioeducativos. O trabalho que lhes espera demanda um forte grau de idealismo e, em muitos casos, vem como resposta a uma inspiração existencial e, às vezes, também mística. Basta lembrar aqueles que trabalham com aidéticos, nas comunidades de recuperação para toxicodependentes, para meninos de rua e em conflito com a lei. Em muitos casos essas disciplinas estão ligadas à ética, aos princípios que inspiram a missão das instituições que trabalham na área socioeducativa. No caso da UPS a missão tem sua inspiração humanística e existencial e, portanto, busca nas disciplinas Filosofia da Educação, Ética Profissional, Teologia da Educação, Educação e Bíblia, Antropologia e Comunicação, Antropologia Cultural as bases para uma formação em sintonia com a missão institucional. A área Sociológica (12,5% da grade curricular) compreende a leitura e interpretação da realidade social, utilizando-­se seja de referenciais teóricos mais amplos (Sociologia da Educação) como daqueles mais específicos ligados aos destinatários da ação profissional do educador social: sociologias focalizadas na juventude, na marginalidade e no desvio social, nas toxicodependências, na delinquência juvenil, na família, no tempo livre, nas instituições escolares (Sociologia da Educação, Sociologia da Família, Sociologia do Desvio, Sociologia do Tempo Livre, Sociologia dos Processos Culturais, Sociologia das Organizações). A Sociologia da Educação nas suas diversas matizes disciplinares pretende fazer a ponte entre os fenômenos e os condicionamentos sociais que eles comportam, para iluminar a prática e a metodologia, na construção de soluções segundo a ciência pedagógica. A razão da extensão maior do campo sociológico parece estar no fato
de que o profissional da pedagogia social deva necessariamente ter uma razoável compreensão das dinâmicas e dos processos que incidem sobre os sujeitos que pertencem ou se relacionam com os grupos sociais e com a sociedade em geral. De fato, parece ser na interação social que acontecem os maiores problemas relacionados à assunção de culturas alternativas e desviantes, ao iniciar­se de um processo de rotulação, estigmatização e a formação de identidades marginalizantes; como também é através da interação social que a pedagogia colhe os recursos para a recuperação e reinserção social dos indivíduos. Uma quinta área disciplinar nós a denominamos como "técnica e de animação social"(6 disciplinas ou 12,5% do total). Compreende todas aquelas disciplinas que são destinadas ao estudo das técnicas a serem aplicadas na metodologia pedagógica, assim como a aprendizagem da aplicação dos instrumentos de interação social: Teorias e Técnicas de Aconselhamento, Gestão dos Recursos Humanos, Animação Sociocultural, Teorias e Técnicas de Orientação Educacional, Relações Humanas e Dinâmica de Grupo, Multimídia e Processos Formativos. A pedagogia social italiana tem privilegiado de modo particular a animação sociocultural, uma vez que ela pode ser aplicada para a ocupação do tempo livre das populações juvenis de periferia, dando oportunidades para a inclusão cultural e social de sujeitos marginalizados. O âmbito metodológico tem bem cinco disciplinas (10,5% do total) entre as 48 oferecidas. Compreendem desde a metodologia da pesquisa, do trabalho cientifico e também do trabalho pedagógico. São elas: a Metodologia da Pesquisa Pedagógica, Metodologia Pedagógica Evolutiva, Estatística, Metodologia do Trabalho Cientifico, Metodologia da Prevenção e Reeducação. Outras disciplinas (4,2%) estão ligadas a argumentos específicos tais como Legislação (Legislação do Menor, Direitos Civis e Cidadania). A propósito da nossa reflexão, na Itália, poderíamos distinguir os profissionais da pedagogia social em dois âmbitos: operacional e teórico projetual. O ensino superior divide­se em três ciclos: o primeiro ciclo dura cerca de tres anos e corresponde ao mestrado (bacharelado). O segundo ciclo acrescenta mais dois anos, dedicados ao mestrado (láurea). O terceiro ciclo corresponde ao doutorado (2 a 3 anos). Assim, o primeiro ciclo tem objetivos de formar educadores profissionais (educatori Professional), algo parecido com a nossa licenciatura. Os estudantes se preparam para atuar nas comunidades terapêuticas para toxicodependentes, nas comunidades e abrigo para menores, no atendimento da terceira idade, etc. Durante o 2º ciclo os estudantes entram em um percurso formativo teórico projetual que tende a formar, mais que educadores sociais, os pedagogos sociais. Esses profissionais estariam preparados para atuarem na projetação de interventos e de instituições sociais, levam mais tempo na formação e fazem um mestrado ou doutorado voltados para a vida acadêmica.
O 3º ciclo capacita para as atividades do ensino, da pesquisa e da gestão em maior grau.
 
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